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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Revolução em sala de aula

Graças à dedicação de uma professora de português, estudantes da periferia de Planaltina foram estimulados a perder a inibição e a colocar as ideias em forma de texto. O resultado? Dezesseis passaram no vestibular
Transferida do Paranoá, Conceição Guisardi (E) empenhou-se em tirar o pavor de escrever uma redação das turmas do terceiro ano do colégio
Transferida do Paranoá, Conceição Guisardi (E) empenhou-se em tirar o pavor de escrever uma redação das turmas do terceiro ano do colégio






















Extra, extra! Alunos do 3ª ano do Ensino Médio do Centro Educacional Pompílio Marques de Souza, em Planaltina, experimentaram, no ano passado, uma cápsula do tempo imaginária, na qual depositaram seus sonhos de vida. Uns querem ser médicos, professores e promotores de Justiça; outros, arquitetos, empresários, enfermeiros, nutricionistas, advogados e jornalistas. Dezesseis jovens garantiram vaga para o sucesso e estão aprovados em universidades federais e estaduais de Goiás.

A viagem ao futuro foi possível graças à dedicação da direção e dos docentes, em especial, da professora de português Conceição Guisardi. Apaixonada pela profissão, ela enxergou na escola — localizada no bairro Mestre D’Armas, periferia da cidade —, uma possibilidade de dar saltos mais altos. Tudo começou em 2012, quando a mestra chegou ao colégio transferida de uma unidade educacional do Paranoá. “Os alunos tinham pavor de redação. Para mim, aquilo não era normal”, observou ela. 

Em uma tentativa de eliminar o bicho-papão da cabeça deles, a professora decidiu reinventar. Em uma das primeiras atividades do ano, incentivou-os a escreverem uma carta para quem quisessem. A atividade se chamava cápsula do tempo. Nela, a ideia era que cada jovem contasse como se imaginava dentro de uma ou mais décadas. “Um aluno disse que tinha se tornado um médico e o outro, um advogado”, contou Conceição, orgulhosa. 

Ela ainda usou e abusou da tecnologia como recurso pedagógico. Tornou-se amiga da turma no Facebook. Postava os conteúdos a serem estudados via mensagem. Tinha data e horário para isso. Corrigia-os discretamente quando escreviam palavras como “hipocrisia” sem h. 

As postagens de Camila Nunes, 17 anos, e de Lucas Oliveira, da mesma idade, na rede social foram usadas na prova bimestral, confeccionada em cores e com as mesmas regras de vestibular: era proibido usar corretivo e as respostas tinham que ser marcadas com caneta azul ou preta. Caso alguém fosse pego “colando”, a avaliação seria anulada. 

O texto “Saudade que já dói”, de Lucas, gerou duas questões subjetivas para serem analisadas e marcadas. O que deveria ser um sufoco trouxe estímulo. “Montei uma prova colorida, com fotos e publicações deles e imprimi tudo em casa. Eles quase enlouqueceram ao verem os próprios textos na avaliação”, emocionou-se. Enlouqueceram mesmo. Mais que isso. Sentiram-se importantes, capazes, estimulados. 

Aprovação
O Centro Educacional Pompílio Marques de Souza recebe os louros da aprovação de 16 estudantes em universidades públicas do país. Todos passaram na Universidade Estadual de Goiás (UEG), sendo 11 para letras e os demais para pedagogia, matemática e história. 

O grupo ainda se inscreveu em vestibulares de universidades federais. Maria Beatriz Soares, 18 anos, foi uma delas. Ela passou em direito na Universidade Federal de Mato Grosso e aguarda o resultado da Universidade de Brasília (UnB). “Nas questões discursivas, a redação ajudou muito a gente. Quero ser promotora de Justiça porque acho uma linda profissão”, destacou. 

Joadyson Silva Barbosa, 17 anos, deixou de lado os pensamentos negativos e se dedicou ainda mais aos estudos. Tirou 860 pontos na redação (1.000 é a nota máxima) e passou pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para odontologia, na Universidade Federal de Uberlândia (MG), mas aguarda resultado do vestibular para medicina na UnB. “Se eu não passar, vou tentar até conseguir. Medicina é tudo, é o meu sonho. Antes eu tinha complexo de inferioridade, mas vi que sou capaz”, admitiu o jovem. 

A mãe, Gilmária Santana, trabalha como auxiliar de serviços gerais no colégio Pompílio Marques e não disfarça a felicidade. “Na família, ele é o espelho. Estuda o dia inteiro e não quer saber de Facebook ou videogame. Fico muito orgulhosa”, admite. 

Joadyson ainda venceu um concurso de redação promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano passado. Havia cerca de dois mil concorrentes. O trabalho literário tinha como tema “O papel da internet na educação”. O estudante escreveu num trecho da redação que “a internet transforma paradigmas e integra as pessoas, mostrando-se aliada no processo de educação, tanto nas questões sociais quanto nas científicas”.

Furacão na escola
Joyce Rodrigues, 16 anos, tirou 900 pontos na prova dissertativa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado. Ela, porém, estava no 2º ano e não poderá cursar administração. “A redação foi decisiva. Amo ler e acabo escrevendo bem”, raciocinou a jovem, que diz ler pelo menos três livros literários por mês. Entre eles, estão A hora da estrela, de Clarisse Lispector e Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Ravane Rabelo da Silva, 17 anos, passou para letras, na UEG, e prontificou-se a dar aulas de reforma ortográfica a professores do colégio. “Eu tinha muita dificuldade para escrever, mas a professora levantou minha autoestima”, garantiu. A mãe, Maria Leni Rabelo Campos, 50 anos, estava maravilhada. “O que aconteceu na escola foi uma revolução. Eu só tenho o que agradecer a professora. Ela mora no meu coração”, elogiou.

A professora Conceição teve o apoio do diretor Welton Rabelo. Ambos realizaram projetos e atividades o ano passado inteiro. Promoveram aulões, uma vez que os jovens não tinham condições de pagar cursinhos. Diversos simulados foram aplicados em turno contrário. Alunos disputavam quem tirava nota maior, quem desempenhava melhor as tarefas designadas.

 “Em 2012 passou um furacão na escola. Foi cansativo, mas quando se tem dedicação e vontade, as coisas funcionam. Os alunos do 3º ano deixaram bons exemplos para as outras turmas”, destacou Welton. “Eles são os mais ciumentos e dedicados que conheci em 14 anos de profissão”, concluiu Conceição. Fica a saudade.

Vagas na internet

O informatizado Sistema de Seleção Unificada (Sisu), gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), é um portal de ensino no qual instituições públicas de educação superior oferecem vagas para candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).


Fonte: Correio Braziliense/ Mara Puljiz 18/01/2013

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