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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Nelson Pretto: Educação não é uma coisa fechada

O Jornal A Tarde publicou uma entrevista com o professor e pesquisador Nelson De Luca Pretto. Compartilhamos abaixo com os lieotres do blog.

Olhando assim, é como se Nelson De Luca Pretto, 55, já tivesse chegado ao horizonte que criou, em que educação, cultura, ciência e tecnologia viram uma coisa só. Como a engenhosidade de um dado redondo, que encontrou na Inglaterra enquanto fazia o mais recente dos seus pós-doutorados. Ainda falta muito, mas isso não o desestimula. Seu lema é pensar grande e depois fazer o que der. Professor há 36 anos, começou ensinando geografia e física,em que se graduou.“Quando comecei a dar aula, era muito menos preparado, mais rígido, porque tinha uma ideia de que a educação era salvacionista, tinha que consertar.E a educação não tem que consertar nada,tem é que atrapalhar“.Tornou-semestre em educação pela Ufba e doutor em ciências da comunicação pela USP. No dia 1º, Pretto lançou o livro Do MEB à Web: A Rádio na Educação, organizado em parceria com a professora Sandra Pereira Tosta, da PUC de Minas. Ele também está envolvido com a Ripe–Rede de Intercâmbio de Produção Educativa,que incentiva professores e alunos de cinco escolas baianas a produzir em conteúdos “culturais e científicos“. O professor, por duas vezes diretor da Faculdadede Educação da Ufba, onde hoje ensina, espera agora seu “auxílio pé na cova”. “Eu já estou com tempo de aposentadoria, mas não vou deixar de ser um ativista“.

Numa época de múltiplos recursos, por que se voltar para o rádio?
A gente anda para frente sempre olhando para trás. Esse é o ponto fundamental. O rádio vem resistindo e ganhando um espaço enorme a partir da presença das chamadas tecnologias digitais, de comunicação e informação, porque trabalha com aquilo que o ser humano sempre teve uma grande intimidade, que é a oralidade.O paralelo que eu faço é muito esse: você alfabetiza pela oralidade, como hoje você pode alfabetizar pela inserção do jovem e do idoso na internet, compreendida como um processo de comunicação.Quando se fala em rádio na web, a gente também está falando de imagem, blog, chat, twitter, é tudo isso, mas sem perder a característica de rádio.


Em que pé está a Rede de Intercâmbio de Produção Educativa (Ripe), cuja missão é transformar professores e alunos em produtores de conhecimento?
A Ripe é um projeto de pesquisa em parceria com a Universidade Federal da Paraíba. A ideia é trazer todas essas concepções mais contemporâneas de produção de documentos culturais e científicos. A gente criou uma plataforma, ala YouTube, para colocar vídeos produzidos pela própria escola,em que haja um diálogo entre os saberes da comunidade, professores e alunos, e o saber estabelecido.Um aluno pode gravar um vídeo de cinco minutos com um pescador, e aí no Rio Grande do Norte uma outra escola grava uma entrevista com outro pescador e isso vai sendo misturado, a la tecnobrega, de forma a criar um círculo virtuoso de produção de cultura e conhecimento.O projeto funciona há dois anos e foi encerrado agora, no final de maio. Tô numa peregrinação, conversando com o Ministério e a Secretaria de Educação, para a gente ver como incorporar isso.

O projeto funciona em quais cidades?
Salvador, São Félix e Irecê. A plataforma que desenvolvemos, em software livre, está agora indo para a Plataforma de Cultura Digital, do MinC, e para o Portal do Software Livre, de forma a criar uma comunidade em torno disso.O trabalho nas escolas é financiado pela Fapesb. Nós colocamos uma espécie de kit multimídia para estimular professores e estudantes a produzirem. E aí, claro, a dificuldade é fenomenal. É professor brigando com diretor, diretor brigando com professor, aluno querendo entrar… Quando a gente estava em Irecê, o coordenador da escola disse que estavam chegando computadores, e a excitação desses professores era uma coisa fascinante. E aí os meninos dizendo: ‘Pró, que dia a gente vai começar a bulir?‘. E morrendo de medo de não poder bulir.Esse é nosso esforço, mostrar que a rádio, os vídeos, a informática têm que ser disponibilizados para os meninos se inserirem na cibercultura, como os filhos dos ricos fazem em casa.Não dá para ir ao infocentro para aprender planilha. Aí não adianta, porque é proibido Orkut, a Fazendinha, Skype, tudo…

As lan houses acabaram com isso, não?
Um pouco, mas o nosso medo é que, na tentativa de regulamentar as lan houses,o Congresso venha com propostas caretas.O grande problema é que as políticas não se falam. Então cada ministério faz uma coisa, um concorre com o outro.Vale o mesmo para as secretarias. Muito por conta das articulações políticas, dos apoios, da governabilidade. Isso é um problema para nós da educação, porque educação não é uma coisa fechada. Essa foi a minha luta a vida inteira. É importante o universo da educação conversar com o universo da cultura, trabalhar de forma colaborativa.Dou uma disciplina na pós-graduação chamada “Ética hacker e educação“. O hacker não espera a ideia ficar pronta para submeter à comunidade.Quando ele se expõe, todo mundo contribui, não há uma lógica de julgamento. E isso, para nós, da educação, é super importante.Se você for pensar, a escola funciona numa lógica oposta à ética hacker, que é a lógica mercadológica. A educação virou mercadoria.Esse é o grande problema. A gente tem exemplos típicos disso. Os meninos não chegam à escola com os deveres errados. Isso é um absurdo. O dever errado é a melhor forma de aprender. Nem entrando no mérito se deve ou não ter dever. Mas você desenvolver uma coisa e errar, não tem nada mais lindo e rico que isso. Essa escola fake, artificial, nem os alunos nem os professores aguentam. Vira um cabo-de-guerra.

A adoção do Enem em substituição ao vestibular não tende a tornar o ensino menos robótico?
Pode,mas o Enem também pode ser apropriado por essa lógica de mercado. Ela é poderosa. Repare, eu não sou tão velho assim, mas na minha escola nunca ouvi falar em produtividade, ranking, desempenho. E hoje converse com um educador.Em cinco minutos sou capaz de apostar que ele vai falar nisso. É uma loucura, porque você traz para dentro da escola uma lógica de competição que destrói tudo. É aquilo que o filósofo espanhol José Antonio Marina fala, da necessidade de resgatar a ética dos náufragos. Ele diz: “A atual ética é míope porque pensa como único valor a vida, e não o direito à vida“. A metáfora do náufrago é ótima, porque na hora que o bicho tá pegando é que você vê quem tem ética. Se for a ética a vida, vou salvar a minha. Se for a ética do direito à vida, todos têm. Lembro o professor Felipe Serpa dizendo que a gente tem que se inspirar na lógica indígena de que, quando um tem fome, isso é um problema de todos. Na sociedade capitalista atual, a lógica é “farinha pouca, meu pirão primeiro“. Acho que a gente tem que substituir por “farinha pouca, um pouco para cada um“.

O senhor falava em rankings. Acha importante a criação do Ideb peloMECpara medir a qualidade do ensino público?
O governo precisa ter indicadores, é fundamental terdados.Mas a gente tem que cuidar muito para saber como eles são coletados e analisados. Muitas vezes esses dados escondem realidades particulares que precisam ser consideradas. Nós estamos trabalhando com a ideia de falarem educações, e não em educação.Quando a gente fala da Ripe, da rádioweb, a ideia é fortalecer as comunidades. As redes digitais possibilitam que esse diálogo entre a cultura local e o conhecimento estabelecido se dê de forma intensa. Com isso a escola muda de papel, porque deixa de ser uma distribuidora de informações e passa a ser um espaço da convivência e de enaltecimento das diferenças.

Hoje ninguém diz que não respeita as diferenças. Mas respeita como?
Como o pitoresco, o folclórico. E o que é pior, respeita na entrada…No fundo, a escola é uma máquina que vai afunilando para, na saída, saírem todos iguais. E os índices têm esse poder,ajudam na formatação. Lembro de uma frase que Carlos Rodrigues Brandão reproduziu no livro Questões Políticas da Educação Popular. Ele entrevista um lavrador e pergunta: ’O que é educação?’.E o homem responde:‘O senhor me faz a pergunta, mas acho que já sabe a resposta. A educação do senhor é a sua, e a nossa é a sua’.Enquanto a educação do outro for a minha, não tem solução.

Como o senhor avalia a gestão Wagner?
Sempre tivemos no governo Lula e Wagner uma expectativa fenomenal, que não foi correspondida.Acho que houve avanços significativos no campo da Cultura. No campo da Ciência e Tecnologia, avançamos muito pouco, e no campo da Educação, em função do gigantismo do sistema, também.

E essa política da Secretaria de Educação de fechar escolas?
(O secretário) Osvaldo Barreto teve uma frase muito feliz quando disse que era preciso fortalecer a escola.Cheguei a mandar um e-mail para ele elogiando a frase, o foco,e dizendo que não poderia esquecer de fortalecer o professor. Acho que o professor tem que ser um ativista, uma liderança comunitária. Infelizmente a gente está perdendo isso, com essa massificação do trabalho docente. E infelizmente com essa política e fecha mentd e escolas,enturmação, desestímulo… Quando uma escola está vazia, é preciso concentrar todos os esforços para saber por que ela está assim e como é que eu boto essa juventude lá. Precisamos das escolas abertas, cheias. Tem horas que olho os índices de evasão e, brincando, digo: que bom que eles não estão lá, não estão aceitando… Claro que me apavora. Tenho alunos que são professores e contam que começam a dar aula com 30, 35 estudantes, e no final frequentam oito, e não são os mesmos! Então, em vez de reduzir, a gente tinha que transformar cada escola pública num Ponto de Cultura.Você tem que ver a vibração desses meninos em Irecê, no nosso Ponto de Cultura, o Ciberparque Anísio Teixeira. Lá tem rádioweb, os tabuleiros digitais,um programa de formação de professores, tudo integrado. Dos 50 jovens bolsistas,49 saíram empregados. Já disse para todos os secretários de Ciência e Tecnologia que quiseram me ouvir que isso é uma política de emprego. Se você consegue articular Cultura, Educação, Ciência e Tecnologia, nós avançamos do ponto de vista de construir uma nação.Etemos que parar de dizer que a gente faz trabalho com a juventude, com hip hop, capoeira, para tirar o menino da marginalidade. Ele tem que aprender porque é fundamental para a formação. Se de quebra sair da rua, do crime, do crack, ótimo. Veja, para o menino ir para a ONG, no outro turno ele tem de passar pelo purgatório, que é a escola. Não podia tudo ser escola? Dessa turma de Irecê, dois ou três montaram uma empresa de software livre e venderam um serviço para a Câmara Municipal de transmitir pela web as sessões da Câmara e deixar o áudio lá.Olha, para a democracia, que coisa maravilhosa. Isso tinha que ser uma política de governo, todas as câmaras terem. Mas aí os novos vereadores tiraram a rádio do ar e a empresa quebrou.

O que faz a Bahia ter índices tão trágicos em educação?
Se você pensar que nos governos anteriores a política de educação se chamava “Educar para vencer“ e as escolas se chamavam “escola-modelo“…Essas duas expressões são incompatíveis com educação. Isso não muda em quatro, oito anos. Em educação, aliás, todas as mudanças são de longo prazo. Falo que tem que fortalecer o professor, mas não tenho crença de que se hoje você triplicar o salário, vai resolver. Pegue por exemplo a questão das escolas, que viraram espaços sem espaço. Aí você volta na década de 1960 e olha a Escola Parque. A centralidade da escola é um campo de futebol.Veja a genialidade. Tem lá teatro, biblioteca, os galpões de trabalhos técnicos com painéis magníficos de Carybé e Mario Cravo. A Escola Parque é a materialização de uma política de ciência e tecnologia, emprego, cultura, educação, tudo ali. Quando fui conhecê la, o vigia chorava falando de lá. Hoje você entra numa escola dessas e o vigia não te dá nem bom-dia.E se você dá o bom-dia, ele nem responde. Tá passando dos limites essa falta de educação na Bahia. O cara abre o carro, bota o som na maior altura e aí vem alguém e diz que isso é da cultura da Bahia. Não é, é falta de educação. Meu filho emprestado tem uma frase fantástica. A pró dele fazia transporte escolar, levava-o para a escola. Ele tinha uns 6 anos e me contou: ‘Minha pró estava tomando iogurte e jogou pela janela. Você acredita? Imagine, uma pró!’

O senhor se candidatou ao reitorado em 2006, foi o segundo mais votado. Não quis tentar novamente este ano?
Não, a gente faz maluquice uma vez só. A atual gestão tem muitos méritos, mas tem enormes problemas na forma como compreende a universidade. Veja como a correta política de ampliação foi feita, na base do rolo-compressor. Tivemos uma eleição muito pobre do ponto de vista do debate, muito porque a universidade hoje vive um produtivismo alucinado. Isso tem a ver com a gestão atual da reitoria e também com as políticas planetárias. Vivemos atrás de financiamento, falamos em ‘capacidade de captação de recursos‘. Isso é uma excrescência do que é ser professor de uma universidade. E aí o que acontece? No fundo, a gente está apagando incêndio. Parece que essa concepção de universidade e de sociedade está dada e nos cabe apenas fazer a gestão, para funcionar melhor. Tenho minhas dúvidas se botar para funcionar não é pior do que deixar assim. Porque dessa forma há mais espaço para a transgressão…Nós estamos pensando pequeno, e pensar tem que ser sempre grande. Fazer é que vai ser sempre pequeno, porque as condições não deixam fazer o grande. «

Fonte: Revista Muito, do Jornal A Tarde, de 13 de junho de 2010
Texto: Tatiana Mendonça
tmendonca@grupoatarde.com.br
Fotos Marco Aurélio Martins mamartins@grupoatarde.com.br

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